quarta-feira, maio 31, 2006
terça-feira, maio 30, 2006
não é o preferido
"cala-te, a luz arde entre os lábios
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
esta perna é tua?, é teu este braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre."
Eugénio de Andrade
segunda-feira, maio 29, 2006
ai o meu mau feitio
É indecente despertar assim nos outros o que eles têm de pior. Deviam ter vergonha!
importa-se de repetir?
sábado, maio 27, 2006
sexta-feira, maio 26, 2006
"então porque não voas?"
«A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"»
Sérgio Godinho, "A Noite Passada"
na ressaca de ontem
"(...)
Com um brilhozinho nos olhos
metemos o carro
muito à frente muito à frente dos bois
ou seja fizemos promessas
trocámos retratos
traçámos projectos a dois
trocámos de roupa trocámos de corpo
trocámos de beijos tão bom é tão bom
e com um brilhozinho nos olhos
tocámos guitarra
pelo menos a julgar pelo som
E o que é que foi que ele disse?
E o que é que foi que ele disse?
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
Hoje soube-me a pouco
passa aí mais um bocadinho
que estou quase a ficar louco
Hoje soube-me a tanto
Hoje soube-me a tanto
Hoje soube-me a tanto
Hoje soube-me a tanto
portanto
hoje soube-me a pouco
Com um brilhozinho nos olhos
corremos os estores
pusemos o rádio no on
acendemos a já costumeira
velinha de igreja
pusemos no off o telefone
e olha não dá para contar
mas sei que tu sabes
daquilo que sabes que eu sei
e com um brilhozinho nos olhos
ficámos parados
depois do que não te contei
Com um brilhozinho nos olhos
dissemos sei lá
o que nos passou pela tola
do estilo: és o number one
dou-te vinte valores
és um treze no totobola
e às duas por três
bebemos um copo
fizemos o quatro e pintámos o sete
e com um brilhozinho nos olhos
ficámos imóveis
a dar uma de tête a tête
E com um brilhozinho nos olhos
tentámos saber
para lá do que muito se amou
quem éramos nós
quem queríamos ser
e quais as esperanças
que a vida roubou
e olhei-o de longe
e mirei-o de perto
que quem não vê caras
não vê corações
e com um brilhozinho nos olhos
guardei um amigo
que é coisa que vale milhões"
Sérgio Godinho, "Com um brilhozinho nos olhos"
acção subversiva
quarta-feira, maio 24, 2006
aparição.04
Vergílio Ferreira, em "Na tua Face"
aparição.03
Vergílio Ferreira, em "Na Tua Face"
aparição.02
Vergílio Ferreira, em " Na Tua Face"
aparição.01
Vergílio Ferreira, em "Na Tua Face"
terça-feira, maio 23, 2006
impressiva
segunda-feira, maio 22, 2006
nova gerência
Neil Gaiman, em "Smoke and Mirrors"
viagem
Há dias, a Sara apareceu no meu sonho. Estava no meu quarto, abre gaveta, fecha gaveta, naquele seu ar muito despachado. Disse-me, "achavas que ias para os Açores sozinha?" E continuou a dobrar peças de roupa, toda sorridente. Eu, embasbacada, a abanar a cabeça, que sim e que não, ao que ela me dizia.
Para quem não sabe, a Sara morreu há 10 anos. Se se deu ao trabalho de me vir ajudar a fazer a mala só me resta marcar passagem. Isso, e levar uma sweater mais quente. Foi ela que me disse.
mc scolari
Agora, além de pormos as bandeirinhas ao sol, Scolari sugere que escrevamos os nomes dos jogadores pelas estradas deste país. Bonito, inspirado!
E eu sugiro que desatemos a rabiscar nomes no asfalto. Mas daqueles que deviam lá estar e não estão, em cores garridas para animar a festa. QUARESMA, em azul forte, por exemplo!
Já estou a ver as fotografias aéreas!...
sábado, maio 20, 2006
com o cotovelo
Por isso fico "alternadeira" da vida com certas "traduções" em que tropeço. Podiam só ter sido feitas com os pés: incapacidade e incompetência. Mas, cada vez me convenço mais que são feitas com o cotovelo, com aquela pontinha que dói. Aquele prazer sádico em aniquilar um texto, sabotar beleza, estropiar imagens, só pode ser dor de corno.
só amigos
Julguei que tivéssemos ficado entendidos. Era uma solução para um problema que eu não sei se existia. Mas se ela assim o queria, não pensei em mim, estava muito cansado.
Passados três dias telefonou-me. Queria ver-me. Disse-lhe que não tinha tempo. Ela perguntou-me se já não éramos namorados e disse-me que, como sempre, eu estava a querer decidir tudo sozinho, que era um egoísta. Desliguei o telefone e fui para o jardim."
Pedro Paixão, em "Vida de Adulto"
bolha
Mais tarde, nunca houve lago, evidentemente. Lembras-te perfeitamente de que nunca houve lago nenhum. Contudo, já há muito tempo que o sono está diante de ti, mais perto do que nunca. Tem a sua forma habitual: uma bola, ou melhor, uma bolha grande, muito grande, transparente, claro, mas não de vidro, talvez antes de sabão, mas de um sabão muito duro, nada gordo, e um pouco friável, ou então, talvez uma pele extremamente fina, muito tensa."
Georges Perec, em "Um Homem que Dorme"
quinta-feira, maio 18, 2006
post-it
quarta-feira, maio 17, 2006
Sonolência
Georges Perec, em "Um Homem que Dorme"
terça-feira, maio 16, 2006
sábado, maio 13, 2006
sexta-feira, maio 12, 2006
lição de anatomia
quinta-feira, maio 11, 2006
mal de montano.03
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram."
Herberto Helder, em "Poesia Toda"
nas ondas
Gosto que digam ouve. Gosto de parar para ouvir. Gosto que repitam, só porque sim.
sobremesa
reprodução assistida
Pensei logo num documentário a que assisti. Com base em testes genéticos e estabelecendo padrões comportamentais, os investigadores chegavam a um número impressionante: 3 em cada 10 homens criam, sem o saber, filhos que não são seus. E que as facadas no matrimónio, por parte das mulheres, tendem a coincidir com o seu período fértil. Elas escolhem homens evoluídos para assegurarem o crescimento dos filhos mas não resistem a procurar a contribuição genética do "macho dominante".
É o ADN a acabar com a ficção.
quarta-feira, maio 10, 2006
6.40
insónias
já muito de noite nas horas em que posso estar ainda mais
sozinho, sentei-me ao lume e lembrei-me de quando ficávamos
juntos à porta da tua avó e para as pessoas que passavam
éramos namorados. dizíamos conversas só nossas e
às vezes beijávamo-nos. sentei-me ao lume e pensei no teu
corpo quando te abraçava e pensei que talvez naquele momento
um homem estivesse a ter prazer dentro de ti. hoje
sentei-me parado com as mãos paradas, com o rosto parado e
lembrei-me da tua pele tão suave, dos teus dedos bonitos,
dos teus olhos de menina e penso que talvez neste momento esteja
um homem a ter prazer dentro de ti."
José Luís Peixoto, em "A Criança em Ruínas"
papel dobrado
dizes não posso ser o mundo hoje, esqueces que
tu és o mundo. dizes não posso, e eu gostava que
soubesses sempre que um lamento dentro de mim
te repete. abro o papel dobrado e abro a noite
no céu. as árvores são distantes, as palavras
e talvez a música, a terra é distante no
papel dobrado que me entregas escondido
na mão."
José Luís Peixoto, em "A Criança em Ruínas"
terça-feira, maio 09, 2006
um devaneio por outro
Aceitam-se pedidos. Aproveitem que estou inspirada.
luz
segunda-feira, maio 08, 2006
trautear
"(...)flor a florir desmedida
assim te vi, a rasgar a vida (...)"
(in)tolerância
Que já não tenho 18 anos, é verdade. Nos dias bons tenho 6 ou 150 e ajo de acordo.
Conheço bem a capacidade que tenho de fazer mal. Sobretudo quando sou encantadora. Ando a tentar parar mas, por vezes, descaio-me.
É um dom, está-me nos genes. Sei, intuitivamente, o que dizer para que doa muito, bem e fundo. E seduzir, deslumbrar, é apenas o reverso deste jogo. "Com perfumes a presa é fácil/ com jóias, casacos de peles./ gosto do amor quando é difícil/ e cheira ao meu hálito reles".
descapotável
cortar-lhe as asas
vazar-lhe os olhos
trilhar-lhe os dedos e gemer.
(...)
quero o meu amor experimental
furar-lhe os tímpanos
cortar-lhe as veias
amordaçá-lo.
pisar-lhe os calos
arranhá-lo...
o meu amor cabe na cova que lhe abri
o meu amor cabe na cova de um dente."
Descapotável, Três Tristes Tigres
mal de montano.02
Há pouco tempo alguém me apresentou a Lluis Llach, e rendi-me imediatamente a "A la taverna del mar". De volta a Cavafis, um círculo completo. E parto já para outros.
Tinha na estante "O Mal de Montano", de Enrique Vila-Matas. Já por várias vezes estive para lê-lo e sempre outra coisa se entrepôs. Precisei de um congresso sobre Literatura de Viagens, algumas alusões do J. e a insistência do R. para chegar a ele no momento certo. Para nele descobrir o mal de que sofro e a forma de nomeá-lo.
Já achei que, para mim, "demasiado cedo foi tarde de mais". Agora sei que faço com que tudo aconteça no momento preciso. Mesmo que seja para constatar que é o tempo errado.
estados de espírito
Nos últimos dias este blog tem sofrido alterações cromáticas bruscas. Experiências. Desculpa S., mas, por agora, vai ficar assim. (S. é um amigo que é o inverso do Siza. Ele gosta de todas as cores, desde que sejam preto!)
Há dias, no meio da "Poesia Toda", de Herberto Helder, encontrei um postal da Sara. Foi ela que me deu "o tijolo", como lhe chamava. No postal - lindíssimo, por sinal - escreveu umas coisitas que ficam entre nós, os parabéns da praxe e, em letras garrafais, "ODEIO OS TEUS ESTADOS DE ESPÍRITO!!!!". Ri-me sozinha. Eu também amiga, eu também!
sábado, maio 06, 2006
mal de montano.01
"we danced in graveyards
with vampires till dawn
we laughed in the faces of kings
never afraid to burn
and i hate
and i hate
disintegration
watching us wither
black winged roses
that safely changed their color
oh these little earthquakes
here we go again
these little earthquakes
doesn't take much to rip us into pieces
i can't reach you
i can't reach you
give me life
give me pain
give me myself again"
mal de montano
Pedro Paixão, em Vida de Adulto
sexta-feira, maio 05, 2006
a naifa
É difícil escolher, mas hoje apetece-me "Todo o amor do mundo não foi suficiente". O poema é do José Luís Peixoto.
os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e da morte.
os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram suficientes e foram
demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como lágrimas.
sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em cada instante, cada hora,
não irei negar isso. Não irei negar nunca que te amei. nem mesmo quando estiver deitado,
nu, sobre os lençóis de outra e ele me obrigar a dizer que a amo antes de a foder."
Se dúvidas houvesse, "A verdade apanha-se com enganos"!
quinta-feira, maio 04, 2006
a regra das excepções
Posso testemunhar aqui que todos os funcionários do SMAS da Maia, sem excepção, são simpáticos, atenciosos e muito prestativos. Uma verdadeira "mão na roda", fazendo muito mais do que é o estrito desempenho das suas funções.
quarta-feira, maio 03, 2006
bandas sonoras
"Com toda palabra
com toda sonrisa
com toda mirada
com toda carícia
me acerco al agua
bebiendo tu beso
la luz de tu cara
la luz de tu cuerpo
es ruego el quererte
es canto de mudo
mirada de ciego
secreto desnudo
me entrego a tus brazos
com miedo y con calma
y un ruego en la boca
y un ruego en el alma"
"Con toda palabra", Lhasa de Sela
terça-feira, maio 02, 2006
K
Novembro de 92 e Março de 93. Uma aparição fugaz de um outro Portugal, que não dos pequeninos e dos medíocres. Espirituoso, vivo, inteligente, divertido, arrojado, ousado, atrevido, arrogante. Vasco Pulido Valente atacava, cáustico, em todas as direcções mas com um humor de ir às lágrimas. O Miguel Esteves Cardoso escrevia coisas hilárias e luminosas. Rui Zink fazia comentários apaixonados ao "Drácula", de Coppola. Páginas seguidas de roupa interior masculina, branca. Delírios cinematográficos. Descascadelas monumentais nos artistas instalados. Guias de engate com fórmulas de cálculo.
Estava bom de ver que esta explosão de cor e música não podia durar muito.
E o que mais impressiona é que estas pessoas nunca mais escreveram com este profundo gozo, de crianças convictas das suas brincadeiras. E como devia ser contagioso esse entusiasmo, essa criatividade, nessa bolha que era a K.
Para mim, ainda é.